segunda-feira, 29 de abril de 2013

JOBAT NO LOULETANO (106-107) — JOSÉ RUY — RISCOS DO NATURAL (3 e 4)




NONA ARTE 
MEMÓRIAS DA BANDA DESENHADA 
(CVI - CVII)

O Louletano, 17 de Setembro de 2007


(3)

(...Continuação) 

Foi então o Tiotónio quem apresentou E. T. Coelho a José Ruy, em 1943. E, naturalmente, o pequeno mostrou-lhe os seus desenhos. Um dia, sabendo que o rapaz frequentava a António Arroio, Coelho perguntou-lhe se conhecia Rodrigues Alves, de quem se tornara amigo e que lá leccionava. Nada! O jovem estudante estava noutro curso e também nunca ouvira o nome do mestre.

Mais coincidências: nesse ano chave, José Ruy esteve num acampamento de férias onde travou amizade com um camarada da mes­ma escola, dois anos mais velho. Este chamava-se José Garcês e era já aluno de Rodrigues Alves. Foi ele que o mostrou ao professor. E este terá exclamado: Ah, és tu de quem o Coelho me tem falado?!

Passou a acompanhar o mestre e os colegas, todo o tempo de que dispunha entre aulas. Desse modo, o desenhador e escritor imberbe descobriu que partilhava a vocação para as artes gráficas, onde po­dia desenvolver a paixão pelos jornais infantis e pelos processos de impressão. Convenceu então o seu pai a transferi-lo para o Curso de Litografia (o que agora se denomina Artes Gráficas, justamente), mantendo-se na mesma escola.

Nesse ano de 1943, José Ruy iniciou a produção de um novo fanzine, com o imponente título O Pavão Real. Para o efeito, tinha conseguido arranjar um fragmento de pedra litográfica graças a um amigo do pai e construiu uma prensa tosca — enquanto que o seu amigo José Garcês montava outro prelo que utilizaria mais tarde para imprimir a segunda série do seu próprio fanzine, O Melro. Mas com apenas um fragmento de pedra para a impressão, a operação era fastidiosa e o n° 2 do imponente O Pavão Real ficou pela capa.

Sob a orien­tação e amizade de E. T. Coelho e Rodrigues Alves, passou a praticar o desenho do natural — esboçando até à exaustão pormeno­res de animais no Jardim Zoológico de Lisboa, que não distava muito da casa paterna. En­trava lá graças a bilhetes de favor que obtinha jun­to de seu primo, Carlos Rebelo da Silva, proprietário e director do jornal humorístico Os Ridículos. Depois dos seus primeiros esboços do natural, E. T. Coelho aconselhara-o vivamente a concentrar-se nos pequenos detalhes da anatomia dos animais, até "perceber" como funciona cada órgão.

No final de 1944, passou a "profissional" aos 14 anos, iniciando uma intensa colabora­ção no jornal infantil O Papagaio, que dirigia então Artur Bívar. Apresentou-se na redacção ainda acompanhado pelo pai, e a primeira pessoa que contactou foi a escritora Helena Arroyo, que aliás não voltou a encontrar. Para o seu lugar veio Carlos Cascais, que ficou até ao fim da 3ª série. Em meados da década seguinte, José Ruy ilustraria para a Fomento de Publicações alguns dos pequenos contos infantis escritos por C. Cascais. O filho deste serviu de modelo para uma das figuras da his­tória "Homens do Mar" (sob argumento de uma colega da António Arroio, Margarida Ângela), que fez a transição de O Papagaio para a Flama. A participação de José Ruy - com histórias aos quadradinhos, ilustrações e contos que escrevia - também se manteve até ao final da revista como publicação independente, em 1949, e prolongou-se na fase de secção e depois suplemento da Flama.

Ilustração a tinta, para a revista "João Ratão", de 1960. 11,2 x 25,6 cm 

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O Louletano, 24 de Setembro de 2007 

(4)

Na António Arroio, pará além dos mestres Rodrigues Alves e Carlos Mendes, que leccionavam litografia, José Ruy teve aulas de desenho com o escultor Costa Mota, Trindade Chagas, os pintores Paula Campos e Celestino Alves. Com Júlio Santos, nas lições de pintura publicitária, realizavam-se experiências de embalagens, rótulos de garrafas e cartazes para marcas e produtos reais ou fictícios. José Ruy idealizou um reclame ao "seu" Jardim Zoológico e, com a maqueta aprovada pelo professor, executou um cartaz em grande formato. Depois da nota do período, o adolescente ofereceu o cartaz ao Jardim Zoológico e em troca solicitou um livre-trânsito para o parque. Nos anos subsequentes entrava, munido do passe, mesmo antes ou depois da bilheteira fechada, utilizando a porta dos guardas. A sua presença tornou-se de tal forma assídua que os tratadores passaram a conhecê-lo tão bem quanto os animais. Por vezes, vinha com ele o José Garcês ou outro amigo e colega de desenho.

Estudava ainda na Escola António Arroio quando integrou O Mosquito em 1947, substituindo o lugar que Manuel Velez deixara vago ao partir para a aventura em África. Tinha a responsabilidade de criar as cores litograficamente nas chapas de zinco. O trabalho não tinha horas certas pois dependia da altura em que o número ficava pronto, de manhã cedo, à hora de almoço, de tarde ou à noite. Nessa altura, o jornal era bissemanal e as instalações estavam abertas das 8h da manhã até à meia-noite e mesmo pela noite dentro. Era avisado da hora precisa com alguma antecedência, mas havia que gerir o tempo criteriosamente. Por vezes aproveitava o romper da manhã para ir até ao Jardim Zoológico e duas horas depois apanhava um "eléctrico" que o levava até junto da sede da revista, situada na travessa de S. Pedro. Ao fim da tarde voltava ao parque e à noite ia prosseguir algum trabalho na António Arroio, porque nem sempre podia assistir às aulas durante o dia. Os professores já o tinham aprovado mas José Ruy insistia em acabar os exercícios pedidos. A sua amizade para com professores e colegas fizeram com que continuasse a visitar a Escola, mesmo depois do curso acabado.

Por causa da Guerra, era difícil adquirir material de de­senho e pintu­ra durante toda a década de 1940. Quando aparecia algum escasso pastel ou outra plumbagina macia numa papela­ria lisboeta, a notícia fazia rapidamente a volta dos artis­tas e gráficos. E as experiên­cias eram feitas sobre qualquer papel, porque este era ainda mais parcimonioso.

Nestas circunstâncias, José Ruy começou a experimentar a aguarela e o óleo. Este último produto era preparado pelo próprio artista porque as finanças não chegavam para as bisnagas. O seu primeiro ensaio de pintura a óleo teve como modelos involuntários duas bananas inocentes. Mas, de seguida, passou para as coisas sérias, isto é, quase que entrou para dentro da jaula dos reis da selva para fixar a cabeça de um leãozinho recém-nascido ... Até que um dia foi surpreendido por incrédulos colegas da Escola, que compreenderam que afinal o pintor estava no corredor de serviço da jaula ...

Graças a Rodrigues Alves, José Ruy participou na equipa artística do Cortejo Histórico de Lisboa, em 1947, dirigido por Leitão de Barros. Juntamente com dois colegas da Escola Antonio Arroio, trabalhou na decoração sob as ordens do pintor Domingos Saraiva e de Eduardo Teixeira Coelho. Terminado o evento, o rea­lizador de "A Canção de Lisboa" pediu a José Ruy que ajudasse a sua esposa, Helena Roque Gameiro, na decoração de uma das divisões da sua casa. Também nos anos seguintes, chamou sempre E. T. Coelho e José Ruy para trabalhos de decoração, em filmes e noutros projectos, principalmente o da malograda Nau S. Vicente — que acabou por se afundar no Mar da Palha, algures no rio Tejo, numa tempestuosa noite de Inverno ... »»

(continua...) 

Original a lápis sobre papel de impressão, de 1950. Folha de 28,3 x 22,2 cm

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(3 e 4)
Argumento e desenhos de José Ruy

 

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